A importância e influência do CDC para o consumidor brasileiro
O autor procura demonstrar a importância e a influência que o CDC incorpora na vida das pessoas, como esse instituto está consolidado no cotidiano e a extensão do direito alcançado.
1. INTRODUÇÃO
O Direito é uma ciência inexata, nem sempre a soma de dois e dois são quatro. É dotada de tantas variantes, doutrinas, jurisprudências, circunstâncias agravantes e atenuantes conforme cada caso especifico. Poder-se-ia dizer que o Direito é praticamente uma ciência metafisica.
O celebre jurista brasileiro Miguel Reale (REALE, 1978), define o Direito como um fato, um valor e uma norma.
- Fato – aquilo que acontece;
- Valor – julgamento da sociedade se o fato é aprovável, reprovável ou aceitável;
- Norma – o fato torna-se típico, isto é, torna-se lei, tipificado nos códigos legislativos.
A cerca de 30 anos atrás, um fato muito comum acontecia em nosso país, que eram as frequentes tentativas de pequenos golpes no comércio, praticado tanto por comerciantes quanto por consumidores. Tais fatos, altamente reprovados pela sociedade, prejudicava também todo o Brasil, por isso, o Congresso Nacional, por determinação da Carta Magna de 1988, criou o CDC – Código de Defesa do Consumidor, que é objeto de estudo deste documento, qual passa a expor.
1. DESENVOLVIMENTO
1.1 O QUE É O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Conhecido como CDC, o Código de Defesa do Consumidor é um dispositivo jurídico que visa entregar à população consumidora, algumas garantias e direitos, na pretensão de que se evite abusos por parte dos fornecedores face aos consumidores.
O código define normas de proteção e defesa do consumidor; o legislador estabelece estas normas, como sendo de ordem pública e de interesse social. É uma lei de eficácia programática, pois a Constituição de 1988, art. 5º inciso XXXII, preconiza a criação de normas protetivas ao consumidor, portanto, cerca de dois anos após a promulgação da carta cidadã, o então presidente da República, Fernando Collor de Melo, sancionou o CDC.
O código traz definições de grande importância para o entendimento técnico, diferenciando de forma legal produto, serviço, consumidor e fornecedor:
- Art. 2º Consumidor é toda pessoa Física ou Jurídica que adquiri ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
- Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
- § 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
- § 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de trabalho.
O atendimento às necessidades dos consumidores é direito tutelado pelo Estado, visando, nos termos art. 4º, respeito: a dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo.
1.2 ORIGENS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Desde a chegada da família real no Brasil, momento em que o país realmente começa a existir e se desenvolver, até os anos 80, do século XX; comum era, entrar num estabelecimento, pegar um determinado produto, sem saber quanto vale, data de fabricação ou validade, sem ter informações nutricionais (no caso de alimentos), sem direito a devoluções.
Ou o consumidor aceitava tal condição ou simplesmente não consumia, ficando a mercê da sorte, se um familiar ou a si próprio não teria intoxicação alimentar por comprar um pão vencido.
Com base nesse cotidiano, o legislador constituinte decidiu dar ao consumidor, uma certa garantia, já que é o menos favorecido na relação jurídica fática, então, que pelo menos, a lei lhe proporcionasse alguma proteção. Todo o CDC é baseado por princípios protetivos que, conforme a jurisprudência[1] do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT, 2017) são:
- Princípio da vulnerabilidade do consumidor: A vulnerabilidade é condição típica do consumidor, ou seja, todo consumidor é considerado vulnerável (por presunção), pois é a parte frágil da relação de consumo.
- Princípio da transparência: O CDC exige que consumidores e fornecedores tenham lealdade e transparência entre si, antes, durante e depois das negociações e relações de consumo. Direitos e obrigações devem estar compreendidas e assimiladas.
- Princípio da informação: É dever do fornecedor disponibilizar todas informação possível no que tange a relação jurídica de consumo, para que se satisfaça a necessidade do consumidor, manifestando o que vem sendo denominado de consentimento informado ou vontade qualificada.
- Princípio da segurança: O consumidor tem o direito básico à proteção de sua vida e de sua saúde. Assim, é obrigação do fornecedor colocar em evidencia, todas os riscos que determinado produto pode causar.
- Princípio do equilíbrio nas relações de consumo: É nula, de pleno direito, qualquer cláusula contratual, que possa causar desiquilíbrio na relação de consumo, na forma de prejudicar sobremaneira o consumidor.
- Princípio da reparação integral: Caso o consumidor sofre qualquer tipo de dano, este, tem o direito de ser ressarcido, totalmente, o CDC lista a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais.
- Princípio da solidariedade: Para o CDC, todos os agentes são solidários na responsabilidade para com o consumidor, abrange não apenas o vendedor ou comerciante, que manteve contato direto com o consumidor, mas também os demais fornecedores intermediários que tenham participado da cadeia de produção e circulação do bem, como por exemplo, o fabricante, o produtor, o construtor, o importador e o incorporador.
- Princípio da interpretação mais favorável ao consumidor: O CDC preconiza que cláusulas contratuais devem ter uma leitura hermenêutica mais favorável ao consumidor, previsão do art. 47. O intérprete, diante de um contrato de consumo, deverá atribuir às suas cláusulas conexões de sentido que atendam, de modo equilibrado e efetivo, aos interesses do consumidor, parte vulnerável da relação. Trata-se do mesmo princípio, visto por outro ângulo, que proclama a interpretação contra a parte mais forte, aquela que redigiu o conteúdo do pacto contratual, como ocorre nos contratos de adesão.
- Princípio da boa-fé objetiva: A boa-fé objetiva é, talvez, o princípio máximo orientador do CDC. É o dever de cumprir o que se pactua, com lealdade mútua.
- Princípio da reparação objetiva: A responsabilidade civil por danos causados ao consumidor é objetiva, ou seja, a vítima não precisa comprovar a culpa ou dolo do agente, bastando comprovar o dano e seu nexo de causa. Estabelece o art. 14 do CDC: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.
- Princípio do adimplemento substancial: É um princípio não previsto explicitamente no CDC, mas largamente aceito pela jurisprudência dos tribunais. O princípio do adimplemento substancial repele a resolução do negócio se o adimplemento foi realizado de modo substancial, ou seja, se a parte inadimplida é mínima em relação ao todo.
- Princípio “venire contra factum proprium”: Consiste na vedação de comportamento contraditório. Essa teoria, veda o comportamento inesperado, o que viola a boa-fé objetiva, causando surpresa a parte inocente.
- Princípio da conservação do contrato: O art. 51, § 2º do CDC preconiza que “a nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes”.
- Princípio da modificação das prestações desproporcionais: Diz a jurisprudência dos tribunais: “É direito do consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou a sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas, dando ensejo ao desequilíbrio contratual. Dessa forma, ainda que o fornecedor não tenha agido de má-fé, a revisão do contrato é direito do consumidor”.
- Princípio da equidade nas relações de consumo: Deve prevalecer um equilíbrio nas relações de consumo, um justo acordo entre as partes, onde ambos, têm condições de honrar o pactuado com boa-fé.
- Princípio da harmonia nas relações de consumo: O CDC almeja à harmonização dos interesses dos atores do consumo e à possibilidade da proteção do consumidor com necessidade ao desenvolvimento econômico e tecnológico, de maneira a proporcionar os princípios nos quais a ordem econômica encontra fulcro, (art. 170 da CF), sempre baseado na boa-fé e na equidade nas relações entre consumidores e fornecedores (art. 4º, inciso III, do CDC).
- Princípio do acesso à justiça: Conforme a jurisprudência dos tribunais: “Para dar efetividade aos direitos do consumidor, o CDC ocupou-se de dotar o consumidor de instrumentos que permitam um real exercício dos direitos assegurados a ele. Um dos melhores exemplos desse raciocínio é a inversão do ônus da prova como instrumento para proporcionar a facilitação da defesa do consumidor. Tal inversão, porém, não é automática, depende de circunstâncias concretas, ou seja, que seja verossímil a alegação ou que seja hipossuficiente o consumidor”.
Assim preconizam os princípios norteadores do Código de Defesa do Consumidor. O legislador, compreendendo a posição frágil e delicada do consumidor, diante das empresas detentoras de tanto poder, decidiu outorgar poderes àqueles, que representam a hipossuficiência da relação jurídica de consumo.
Hipossuficiente significa “lado mais fraco”, “menor suficiente”, “carente de autossuficiência”. Assim, passa ter alguma “arma” para se defender dos eventuais prejuízos, e, poder olhar de igual para igual, aqueles que são os fornecedores.
1.3 IMPORTÂNCIA DO CDC NO COTIDIANO
Como narrado anteriormente, o CDC é um instrumento que proporciona equilíbrio nas relações jurídicas de consumo, haja vista, até o final da década de 80 (aproximadamente 30 anos atrás), os consumidores sujeitarem-se a qualquer vontade dos fornecedores.
Não havia dispositivo legal que permitisse que órgãos intermediassem as relações conflitantes, que em casos extremos, convertiam-se em demandas judicias. Não era em todos os casos, tendo em vista a notória morosidade da justiça brasileira, ainda mais no tempo em que não via a ferramenta da internet, o que tornou os processos muito mais céleres.
Como as pessoas com menor poder financeiro tinham dificuldades ao acesso à justiça, somente os casos mais vultuosos, ou os mais flagrantes terminavam sob a toga magistrada.
Neste sentido, a luz do CDC outorgou poderes ao PROCON, tópico especifico tratado a seguir.
Todos os anos, o PROCON de cada região, publica em seus respectivos sites, relatórios de reclamações, contendo cada empresa e relato de suas problemáticas. O autore sintetizou o último relatório publicado pelo PROCON de Santa Catarina (2015), conforme abaixo.
Razão Social Total de Reclamações
EMBRATEL TVSAT TELECOMUNICACOES SA 28
BANCO BMG S/A 24
MICROFLORIPA COMERCIO DE LIVROS 24
BANCO ITAU BMG CONSIGNADO 22
BANCO PAN S.A. 22
BANCO DO BRASIL SA - SUPERINTENDENCIA SC 20
DIGIBRAS INDUSTRIA DO BRASIL S/A 20
EDITORA GLOBO S/A 19
CAIXA ECONOMICA FEDERAL 17
CELESC DISTRIBUIÇÃO S.A 14
BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. 13
A. ANGELONI & CIA. LTDA 12
DECOLAR. COM LTDA. 12
LOJAS COLOMBO SA COMERCIO DE UTILIDADES 12
SAMSUNG ELETRONICA DA AMAZONIA LTDA 12
As reclamações mais fraquentes são:
Defeito/Risco à saúde e segurança
Cobrança indevida/abusiva
Contrato (não cumprimento, alteração, transferencia, irregularidade, rescisão, etc.)
SAC - Cancelamento de serviço (retenção, demora, não envio do comprovante)
Não entrega/demora na entrega do produto
SAC - Resolução de demandas (ausência de resposta, excesso de prazo, não suspensão imediata da cobrança)
Garantia (Abrangência, cobertura, etc.)
Desistência de compra (cancelamento de compra)
Contrato - Rescisão/alteração unilateral
Crédito Consignado
1.1 ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO E AO CONSUMIDOR
Em que pese a legislação brasileira ter um quinhão protetivo, preservando e salvaguardando os direitos dos consumidores, há algumas pessoas que visam, ardilosamente, prevalecer-se desses direitos, cometendo fraudes, estelionatos, entre outros delitos típicos do comércio.
Segundo o site do Procon, as tentativas de fraudes aumentaram 7,5 % no ano de 2016 em comparação a 2015. Por isso, algumas associações empresarias e lojistas, unem-se para manter um cadastro, onde podem confirmar as autenticidades e pontuação comercial de seus clientes, visando uma proteção antigolpes, que são as entidades conhecidas como SPC (Serviço de Proteção ao Crédito), sob responsabilidade das organizações empresariais regionais.
Também há o CCF (Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos do Banco Central). Serviço disponibilizado pelo Banco Central do Brasil, sem ônus, bastando nome ou algum documento do cliente para consulta.
Por fim, o Serasa Expirian, é uma empresa privada reconhecida pelo próprio CDC como uma entidade de caráter público (art. 43 do CDC). Mantem um dos maiores bancos de dados do mundo com o cadastro de empresas e consumidores, realiza alguns serviços gratuitos a pessoas físicas como consulta de pontuação no comercio e verificação de restrições creditícias.
2. CONCLUSÃO
O CDC é uma lei complementar à Constituição de 88 e complementa com primazia e brilhantismo a nossa Carta Maior. Nunca antes na história das constituições brasileiras, desde a Constituição Imperial de 1824 assim como as constituições republicanas, houve uma preocupação com direitos sociais. Nunca houve uma proteção aqueles com menor poder aquisitivo.
O legislador constituinte, junto com a nação, sobreviveu ao período nefasto do governo totalitarista militar, observador das grandes desigualdades sociais, inovou nas leis nacionais, trazendo um novo ramo do direito.
Considerando o conceito do direito por Reale, o fato e os valores já ocorriam na sociedade brasileira; os constituintes apenas promulgaram o direito, fazendo a norma.
É inimaginável o país sem este código, seria um retrocesso aos tempos do Brasil Colônia uma entrega do pescoço ao algoz, um retorno nostálgico e horrendo ao imperialismo.
A simples ideia de extingui-lo por alguns o acusarem de ser ineficaz é abissal e deve ser rechaçada de prima face, haja vista que um dispositivo legal, dotado de uma vanguarda ímpar, jamais deve ter sua eficácia questionada, mas sim, constantemente aprimorada.
REFERÊNCIAS
Obras Citadas
_______________. Curso teórico e prático de direito empresarial. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2015.
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Brasília: Imprensa Nacional, 1990.
DINIZ, M. H. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 1993.
LUCCA, N. D. Direito do consumidor. São Paulo: Quartier, 2008.
MIRANDA, M. B. Fundamentos teóricos e práticos de Direito do Consumidor. São Paulo: Direito do Brasil Publicações, 2010.
NUNES, L. A. R. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2015.
PROCON/SC. Cadastro de Reclamação Fundamentada. Site do PROCON Santa Catarina, Florianópolis, 10 março 2016. Disponivel em: <https://www.procon.sc.gov.br/>. Acesso em: 30 ago. 2017.
REALE, M. Estudos de Filosofia e Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 1978.
SIDOU, J. M. O. Proteção do consumidor. Rio de janeiro: Forense, 1977.
TJDFT. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS, Brasília/DF, 13 Agosto 2017. Disponivel em: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/jurisprudencia/jurisprudencia-em-foco/cdc-na-visao-do-tjdft-1/principios-do-cdc>. Acesso em: 13 Agosto 2017.
[1] Jurisprudência: Miguel Reale conceitua o termo como: "a forma de revelação do Direito que se processa através do exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais".
Para Maria Helena Diniz jurisprudência é: “(...) é o conjunto de decisões uniformes e constantes dos tribunais, resultante da aplicação de normas a casos semelhantes, constituindo uma norma geral aplicável a todas as hipóteses similares e idênticas. É o conjunto de normas emanadas dos juízes em sua atividade jurisdicional. ”